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NOTÍCIAS DE MANGUE SECO (1)


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Publicado em 25 de novembro de 2013
Por Jornal Do Dia


Quando o carnaval começava, naquele ano de 1976, Aracaju estava reservada para tornar-se o palco de um dos mais estúpidos episódios que marcaram os momentos sinistros da ditadura militar debaixo da qual vivíamos. Logo, um quartel se encheria de indefesos torturados e sádicos torturadores, que entre outras ignominias, causaram a cegueira permanente no petroleiro Milton Coelho, e aviltaram a imagem do exército brasileiro. Naqueles dias de medo e incertezas o jovem agrônomo Manoel Hora, militante do Partido Comunista Brasileiro, organização da esquerda que até condenava a luta armada contra o regime, recebeu um conselho do experiente Paulo Barbosa: ¨Evite ser preso no carnaval, quando a festa acabar muitos já terão sido torturados ou mortos¨. Manoel Hora seguiu o conselho. Pegou sua Brasília amarela e foi para Mangue Seco, onde alguns amigos passavam o verão numa barraca.

Naquela praia isolada, só alcançada por embarcações, sentiu-se seguro. Transcorridos alguns dias, sem notícias do mundo exterior, sentiu que a ansiedade o dominava. Naquele cenário de mar, rios imensos, dunas alvascentes, mangues e coqueirais, sentir-se desconfortável ou ansioso é quase um crime de lesa-natureza, então resolveu retornar a Aracaju.

Naquele ano de 76, no minúsculo povoado praiano espremido entre o mar e as colinas arenosas, não chegavam turistas. A escuna motorizada do engenheiro Jorge Leite, tragada pela grande cheia de 68, que levou de roldão a fábrica Santa Cruz e tudo o que estava no porto fluvial da Estância, não mais levava os grupos de convidados de Jorge a visitarem a sua reserva ambiental do Crasto, e a praia na ponta da extremidade do litoral norte baiano. Mas Jorge Leite já criara a moderna e modernizadora Sulgipe, que hoje clareia as noites sossegadas de Mangue Seco. Manoel Hora escapou da prisão, salvou o emprego, e agora, em plena juventude da velhice, que também se chama meia-idade, vez por outra retorna ao local onde imaginou o impossível afastamento do mundo e das suas ameaçadoras turbulências.

Nesses quase 40 anos pouca coisa mudou no povoado, onde a vida ainda corre com a maciez inalterada de quem sabe que é preciso deixar intactamente primitivo o chão de areia, escancaradamente abertas as portas e janelas, e ainda pendurar muitas redes nas varandas.
Mangue Seco, divergem os seus habitantes, para uns tem exatos 260 moradores permanentes, para outros já passam dos 300. Deixemos-los com a sua insanável divergência, ela serve até para lhes fortalecer a peculiar forma instintiva de valorizar a paz e a polêmica.

Quem, sem ser viscosa ou viciosamente urbano, não gostaria de viver numa comunidade onde as pessoas, mesmo as mais velhas, nem lembram de algum crime que ali possa ter ocorrido?
Em Mangue Seco não há policiais, e construir uma delegacia seria gasto desnecessário, porque já faz muito tempo que um morador precisou ser detido, e se o foi, certamente a causa teria sido alguma bebedeira além da conta.

No carnaval, quando chegam muitos turistas, principalmente de Salvador, dois policiais vestindo bermudas chegam, e ficam sem ter o que fazer. Este ano, foi uma exceção. Quatro ou cinco jovens turistas pilotando motos, vindos pela manhã logo cedo, se puseram a fazer manobras radicais com os escapes abertos sobre o extenso areal que é o centro do povoado, onde há uma igreja, e naquela hora, mais da metade da população assistia missa. Os dois policiais os abordaram e os fizeram pegar a trilha de retorno, mas proibidos de ligarem os motores, saíram empurrando as motocicletas até um local aonde o barulho das máquinas não chegasse a incomodar os viventes de Mangue Seco. As pessoas que assistiam a cena bateram palmas entusiasmadas para os policiais.
Mangue Seco deve ser um dos poucos lugares do Brasil onde a policia recebe aplausos.
(Continua domingo)

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